sexta-feira, 26 de abril de 2019

GUAJURÍS


CAP. - CP. IV - O JANTAR

 Eram exatamente l8 horas quando eu fui convidado a sentar em outra cadeira de balanço ao lado do meu anfitrião. Como disse, o sol se punha atrás das montanhas e era impossível não admirar aquele lindo espetáculo. Na frente da casa, os dois velhos índios desapareceram como mágica, da mesma forma que os dois moços que me escoltaram pela floresta também o fizeram, isto é, desaparecimentos instantâneos, sem explicação. E essas ocorrências se verificavam exatamente de duas em duas horas. Eu estava  com um relógio e vinha acompanhando esta particularidade. E lá embaixo na aldeia, o barulho cessou justo nesse momento. Achei estranho aquele silencio repentino como se alguém tivesse usado um controle remoto e desligado tudo lá embaixo. Minhas divagações duraram poucos segundos pois nesse momento o meu anfitrião falou:
- Seja bem vindo a minha casa senhor...
- Obrigado, Meu nome é Valec e  estava meio perdido e fui alertado que fiz uma casa em suas terras. Eu não sabia, nessa imensidão de floresta não há cercas e eu não poderia saber que estava invadindo.
- De fato não há cerca mas o senhor tentou se estabelecer em minha propriedade e os meus servidores tiveram que interferir, queira me desculpar. Meu nome é Januário, Por forças de circunstancias, me transformei em CACIQUE JANU, chefe do povo Guajurís. Nossa propriedade compreende trinta quilômetros de de circunferência, contando a partir de um marco natural existente no centro da aldeia e  está registrada em cartório de Manaus.
- Registrada? Nesse caso trata-se de um povo  vinculado à civilização, falam o português claro e não são hostis, como pude comprovar.
- Não são hostis e não vão lhe fazer mal algum. Vamos ter oportunidade de confabular por muito tempo mas no momento creio que é minha obrigação ser hospitaleiro e vejo que o senhor está precisando de cuidados.  Vamos entrar, o senhor precisa de um bom banho. Nesse momento estamos sozinhos, os criados estão descansando. As 20 horas eles retornam e o jantar será servido. 
Passamos para dentro da casa e o cacique me mostrou o banheiro. Já estava bem equipado com toalhas limpas, tesoura e navalha na bancada e roupas limpas penduradas em cabides. A primeira coisa que fiz foi aparar o cabelo da melhor forma possível e fazer a barba. Depois tomei uma bela ducha quente, coisa que não fazia ha muito tempo. Quando entrei na sala, o cacique me esperava com dois copos e com dois dedos de uma cachaça amarelinha. 
- Nossa que transformação, o senhor é outra figura e minhas roupas lhe caíram muito bem, temos o mesmo porte físico. 
Tomei um gole da cachaça e me senti reanimado e como estava muito curioso a respeito de tudo fui direto ao assunto. 
- Obrigado por me acolher senhor Januário, eu estava mesmo precisando de cuidados. Acho que iria acabar morrendo da floresta se o senhor não tivesse me acolhido. Mas estou  morrendo de curiosidade por tudo isso. O senhor é um homem branco e mesmo assim é chefe de uma tribo indígena...
- Eu entendo como o senhor se sente, está um pouco confuso em relação ao nosso povo, garanto que lhe contarei o que que posso, mas tem muita coisa que depende do conselho de anciões e aí não depende somente de mim. 
- Certo, e eu não quero me intrometer nos seus assuntos, caso lhe venha prejudicar em alguma coisas, talvez seria melhor o senhor providenciar a minha volta para a civilização...
- Civilização? Então acha que não somos civilizados?
- Eu não quis dizer isso, quero dizer voltar para Manaus, notei que tem um campo de pouso na aldeia.
- Sim, temos um aeroporto e mantemos contato com Manaus, Belém e até São Paulo. Mas não podemos transportar passageiros em nenhum sentido. Para todos os efeitos essa é uma aldeia isolada do mundo. Meus contatos com as cidades são  com gente nossa. Para todos os efeitos O povo Guajurís não existe...
- Não existe? Então...
- Olhe, vamos fazer o seguinte, o senhor deve estar com fome, talvez queira beliscar alguma coisa antes do jantar, vou pegar alguma coisa na cozinha. 
O cacique se levantou contornou a mesa, ao passar por um espelho na parede eu não vi... quero dizer alguma coisa me intrigou mas pensei ser apenas imaginação minha. Ele retornou com um bom pedaço de carneiro assado e serviu mais uma pinguinha. O naco delicioso de carne assada, serviu de pretexto para mudar de assunto.  O cacique levou a conversa para assuntos mais doméstico e eu senti que não queria  falar sobre as minhas suspeitas de algum mistério. Então ele começou a descrever sua própria casa, as instalações da aldeia, o aeroporto, a bodega,o gerador,   os currais, a horta até que o relógio bateu 20 horas. 
 - Pronto, o jantar será servido agora, os criados retornaram. 
 - Retornaram? Onde?
 - Atrás do senhor. 
Eu me virei e quase desbarrei em uma índia que vinha se aproximando com uma bandeja. Ela sorriu para mim, depositou a bandeja de comida sobre a mesa e deu passagem a outro "pele vermelha" que se  aproximava com pratos e talheres. Ouvi o burburinho de mulheres na cozinha e barulho de mobília. Lá embaixo na  aldeia o alvoroço também recomeçou. Não me contive.
- Desculpe senhor Janu, mas o senhor pode me dizer de onde surgiram esses funcionários assim tão de repente, eu quase desbarrei nessa moça que não estava aqui a um segundo atras. 
- Senhor Valec, vamos nos servir. Para estas pessoas o jantar é quase um cerimonial, eu já fui repreendido pela cozinheira por ter ido mexer em suas panelas. Por favor aprecie o seu JANTAR.    

quarta-feira, 17 de abril de 2019

GUAJURÍS


CAP.. - III - O CACIQUE


Parece que uma grande comitiva de recepção me aguardava na aldeia ou seria somente  curiosidade dos "condôminos"?  Todo o povo da aldeia estava na grande praça e em outros pontos de observação. Reparei que todos se vestiam a "carater"como se a minha chegada a aldeia fosse uma grande ocasião. Quero dizer, imaginava índios seminus, ou usando minusculas tangas mas, o povo limpo e bem vestido que vi na minha frente me deu a  entender que aquele era um dia festivo. Apesar de que suas vestes, tando as dos homens como as das mulheres,serem feitas de peles, talas de madeira ou fibra trançada, tinham um colorido variado, bonito de se ver. As mulheres usavam os cabelos bem penteados ou armados com tranças bem feitas e ornados com flores silvestres. Os  anciões, tinham os cabelos lisos e branco com neve. Os mais moços usavam umas tangas de fibras e tinham o dorso nu pintados de desenhos coloridos. "Guerreiros", pensei no entanto, estavam  desarmados e não demonstravam nenhum tipo de hostilidade. Só as crianças pequenas, estavam completamente nuas, mesmo assim, aparentavam bem cuidadas, cabelos bem cortados. Legítimos curumins.
Me senti um pouco encabulado e envergonhado por estar todo descabelado, barbudo e usando trajos andrajos que mal cobria meu corpo sujo. Mesmo assim, o povo sorria para minha e dava passagem respeitosamente fazendo acenos amistosos. Dois anciões se adiantaram e fizeram sinais aos dois "soldados" que me escoltavam e assumiram o comando da minha guarda.  Fui guiado por entre a multidão que respeitosamente davam passagem. Uma criança tentou quebrar o protocolo e se aproximar de mim mas foi contido pela mãe que sorriu para mim e ficou afogando carinhosamente a cabeça do menino. Os anciões, sempre fazendo gestos me conduziram para fora da aldeia, pelo lado do portão norte.Seguimos por um caminho tortuoso que subia uma pequena elevação. Se aproximavam as 18 horas e o sol já se punha atras das montanhas. Um lindo crepúsculo. Eu estava muito cansado pois a jornada de 30 km pela floresta que fora bastante puxada para mim que estava mal  alimentado a muito tempo. Os meus sapatos rotos já não serviam mais para proteger os meus pés e logico não ajudavam em nada na indumentaria. Eu arrastava os pés atrás dos velhotes que  comparados a mim, pareciam jovens escoteiros seguindo a trilha. Por que diabos estamos deixando a aldeia novamente? Não fiz essa pergunta formalmente, mas suponho que se tivesse feito minha curiosidade não seria satisfeita pois os velhotes pareciam que eram mudos. Não falavam nada, eu gostaria de saber para onde estariam me levando. De volta para a floresta? Quando o caminho fez uma curva atras de uns arvoredos, avistei uma grande casa em estilo colonial, toda rodeada por um alpendre. Era uma típica casa de fazenda, se bem que deslocada uma vez que estávamos em plena floresta amazônica. Na varanda da frente, estava sentado em uma grande cadeira de balanço, um homem branco aparentando uns 40 anos, vestido de calças de couro mas com o peito nu. Tinha na cabeça um bonito cocar de penas. O homem acenou para que eu me aproximasse então subi os 3 degraus de tronco rustico e me apresentei diante do cacique. 

terça-feira, 9 de abril de 2019

GUAJURÍS



CAP. II - "CIVILIZAÇÃO"

O meu assentamento durou muito pouco tempo. Nem mesmo deu tempo de  me acostumar com a nova morada tive que "levantar ancora ". Certo dia, voltando da caça, me deparei com dois índios observando minha cabana. Eu vinha cabisbaixo e quando os vi, já estava muito em cima e foi justamente nesse mesmo momento que eles também me viram. Ficamos ali parados, sem saber o que fazer, nem eles nem eu tivemos um a reação imediata. Os dois não estavam armados de arco e flecha, o que era de se esperar de índios, nem tão pouco demonstraram hostilidade. Como estavam parados a porta de minha casa, me pareceu ser minha obrigação ser educado e cumprimentá-los, dando-lhes as boas vindas. Lembrei me de filmes americanos e, de como os índios se cumprimentavam então, levantei a mão direita espalmada e disse:
Au!!!.
Os dois se entreolharam e o mais alto se dirigiu a mim.
-Au ???, Porque você está falando a língua dos cachorros?
- Ora, ora, vocês falam português e ainda por cima com sotaque gaúcho?
- Você queria que falássemos alemão? Estamos no Brasil, cara.
- Claro estamos no Brasil mas vocês são índios, pelo menos é o que parece.
- De fato somos índios, mas não é por isso que temos que falar a língua dos nossos ancestrais.
- Mas que ótimo, sejam bem vindos a minha casa. Não tenho muito a oferecer, não tenho café e nem uma geladinha, só alguns ovos de passarinhos.
- Obrigado, nossa demora é curta, só o tempo de você derrubar a sua casa.
- Derrubar? Mas acabei de construir e estava pensando em fazer um quarto de hóspede para amigos como vocês.
- Está em terras do CACIQUE, não pode ficar.
- Cacique? Então vocês tem uma aldeia por perto, adoraria conhecer.
- E vai, pois temos ordens de levá-lo a presença do cacique mas, se não quiser ir não será obrigado, basta voltar para o seu pântano, que é terra de ninguém.
- Como vocês sabem que eu venho do pântano?
Ele abriu a boca para responder mas o outro lhe tocou no ombro, então ele se calou.
- Onde fica a  aldeia de vocês?
-A 30 km naquela direção, atrás da colina. 
- Vocês estão bem longe de casa.
- Você  parece estar bem mais longe ainda, quer ajuda na demolição do barraco?
- Não pode ficar de pé? Para o caso de um entendimento com o cacique?
- Não haverá entendimento nesse sentido, no entanto você será bem vindo a aldeia. O seu destino, o cacique e os anciões é quem decidirão.
Bem, eu estava em vias de encontrar uma civilização, e é isso que eu queria o tempo todo e voltar para o pântano, não era a melhor das escolhas. Botamos abaixo a cabana, que não era lá grande coisa mesmo, peguei meus poucos pertences e segui os nativos rumo a uma grande caminhada. Os índios eram hábeis em andar pela mata e eu próprio já estava meio que familiarizado com as dificuldades da floresta, tanto que a nossa viagem prosseguiu sem maiores transtornos. Quando já havíamos percorridos cerca de uns 10 km, segundo os meus cálculos, paramos a beira de outro riacho. O índio me entregou um relógio falou que eu descançasse por duas horas, que eles também iriam descansar.
Faltava um minuto para o meio dia. Fiquei entretido, observando o relógio pertencente a um índio, quando levantei as vistas eles havia desaparecido num passe de mágica. Achei estranho, pois minha distração durara poucos segundos, mesmo assim não os vi afastar. Simplesmente desapareceram. 
Paciência, encostei em uma árvore, e pensei ter tirado apenas um cochilo quando os índios chutaram o meu pé:
- Levanta Gringo, vamos embora.
Mais duas hora de caminhada, nova parada para descanso e novo desaparecimento misterioso dos meus companheiros. Reapareceram de novo do nada atrás de mim, como se materializassem de repente. Questionei sobre esses sumiços e retornos assim tão sutis, mas eles nada disseram,  apenas seguiram em frente. Alguma coisas inexplicável estava acontecendo. Ou eles eram muitos hábeis em sair e voltar furtivamente, ou eu era muito lerdo para perceber. Confesso que estava meio apreensivo com a perspectiva de encontrar uma civilização desconhecida. Três meses na floresta, vivendo a custa do  que a natureza tinha a oferecer, sozinho, buscando o meu próprio sustento e  achava que estava perdido. Mas agora, em vias de viver uma realidade em meio a desconhecidos, não me sentia muito a vontade em relação ao meu futuro.  Me recordei de quando o índio quis falar do do pântano e foi barrado pelo outro. Porque? Que importância  poderia ter em fala sobre o pântano? Bem, eles eram subordinados a alguém superior e pelo vistos suas funções se reduziam em me conduzir até o cacique. Eles inclusive não demonstraram hostilidade  e até me deram a opção de voltar  ao pântano. Mesmo assim, eu não estava me sentindo muito a vontade e agora era tarde para voltar atrás pois foi justamente nesse momento  minhas conjeturas foram interrompidas pois atravessamos o portal da aldeia. Aproximava-se as l8 horas. 


terça-feira, 2 de abril de 2019

GUAJURÍS - CONTINUAÇÃO


CAP.  I - O NAUFRÁGIO

Meu nome é Valec. Não sou cientista, pesquisador, erudito, professor nem tão pouco escritor. Por forças de circunstâncias, me transformei em palestrante e aqui acolá, alcunhado de MENTIROSO, por conta de que não tenho como comprovar a veracidade da minha história. Ao longo da vida, a gente passa por graças e infortúnios que nos apresentam em momentos de isolamento e solidão, sem o testemunho de terceiros ou apresentação de registros comprobatórios legalmente válidos. O que exponho nesse relato, aconteceu de fato e peço veementemente a quem desse tomar conhecimento, que divulgue, repasse e dê fé pois se juramento tivesse força de lei eu não precisaria implorar credibilidade, bastaria jurar, o que não faço pois o mundo já está cheio de falsos juramentos. Mesmo dispondo de apontamentos feitos de próprio punho, ainda tenho que implorar que os aceitem como válidos, que não foram inventados, forjados.
Andava eu pela floresta amazônica,  não  como pesquisador, aventureiro, turista nem desbravador de mistérios da floresta, nem como caçador de aminais exóticos ou espécies raras da flora ou d fauna, apenas como homem perdido vítima de um naufrágio de um barco de viagem pelo rio Solimões. Me é dispensável descrever o motivo de tal viagem visto que um cidadão é livre para ir e vir nesse país, e somente dar satisfação, caso lhe aprouver. Nosso barco naufragou em uma remota curva do rio e partes dos destroços vieram a encalhar entre alagadiços num sitio perdido do mundo.Dos outros passageiros e tripulantes, nunca tive conhecimento de qual destino tiveram, se sobreviveram, se morreram, mesmo depois, quando voltei à civilização e tentei averiguar. Era um barco clandestino e embarcamos também em um porto clandestino, de forma não haver na capitania dos portos de Manaus nem mesmo registro de tal acidente. Isso não vem ao caso e não a motivo para alterar ou interferir nos fatos que aconteceram comigo desde então. Pois bem, levei quase dois dias para sair do alagadiço, encontrar chão mais firme para pisar, ainda que nessas paragens tudo estava sempre molhado. Já imaginando a minha penúria, antes de abandonar os destroços do barco, procurei encontrar alguma coisa de alguma utilidade e somente encontrei um  bornal velho de couro contendo saquinhos de um pó branco, os quais atirei ao rio, uma vez que não era da minha índole traficar ou consumir tal material. Encontrei também uns pedaços de corda e um cutelo  velho enferrujado. , objetos que me pareceram de grande utilidade para um homem perdido na floresta. Mas também, se por acaso tivesse encontrado um sortimento maior de coisas, não teria como transportar por aquele alagadiço trançado  de juncos e de cipós. Enfiei as cordas e o cutelo no bornal, pendurei no pescoço e dei início a minha fuga, supondo que o terreno firme estivesse mais próximo. Foi aí que realmente percebi que estava de fato perdido. Era bem fundo o que eu achava que fosse a margem do rio e aquele alagadiço penetrava floresta adentro. Mal conseguia pisar em uma lama mole, ou tudo aquilo seria somente lama? Não afundava justamente por ser muito trançado de juncos e cipós. E como era floresta mesmo, tinha as árvores onde eu pudesse me apoiar e seguir em frente. Seguir em em frente, em termos pois as vezes achava que não saia do lugar pois tudo em volta  parecia igual e já estava escurecendo.  Caiu a noite e segui em frente, ou para direita, para esquerda e possivelmente para traz em virtude da desorientação.Quando notei que o dia estava raiando, senti pisar mais firme, apressei o passo e saí no "seco".Deitei de costas ali mesmo na lama pois estava exausto e  precisava comer. Pensei, onde será que se acha um bom café por aqui? Avistei alguns arbustos floridos e abelha sugando o pólen. Ora, se abelhas podem comer, acho que também posso.  Comi algumas flores que não tinham gosto de nada, o que sugeria segurança alimentar. Depois de escapar de um  naufrágio, conseguir sair de um alagadiço daqueles, achar flores para comer, cheguei a conclusão  que minha sorte não era das piores. Salvo ser atacado por índios ou feras, poderia continuar a sobreviver. Água é o que não faltava.
Durante três dias, comi flores, ervas, sementes e raízes, alimentos que se não me mataram, alguns provaram desarranjos intestinais desagradáveis mas que no final me mantinham alimentado na medida do possível. Aos poucos, fui selecionando aquela dieta vegetariana de maneira que o organismo foi aceitando aqueles alimentos sumários. No sexto dia (sabia que era o sexto), porque ainda era possível memorizar, deparei com algo humano, um osso. Soube que era humano, porque tendo trabalhado certo tempo em um hospital, tinha vagamente uma noção da anatomia humana. Era uma tíbia. Pensei, alguém morreu por aqui já faz um bom tempo. 
Daqui para frente, não me preocupei mais em contar os dias, apenas fazia uma estimativa. Para que se preocupar se era sexta, domingo ou quarta? O único compromisso que eu tinha era em me manter vivo e  chegar nalgum reduto habitado, mesmo que por índios. Acreditava que poderia me entender com nativos. O perigo seria topar com onças ou qualquer animal feroz que gostasse de um bom petisco de carne humana. Mas graças a Deus não topei com nenhum e cheguei a conclusão que as feras preferissem sítios mais secos, do que toda aquela umidade. Para dormir, tinha que cortar muitos galhos para improvisar uma cama razoável naquele chão molhado. Certo dia, supondo já ter se passado uns três meses, finalmente encontrei terreno realmente seco. Havia saído oficialmente do pântano. Pensei, aqui deve morar o perigo, feras, índios e talvez até falta de água. Mas não seria justo se minha sorte fosse me abandonar agora. Para continuar andando, teria que me abastecer de água e a única vasilha que dispunha era o  bornal de couro. A mata raleou um pouco e eu pude avistar montanhas a distancia. Bom, floresta, montanhas, clima tropical, chuvas, então, deve haver muitos riachos e, água não deve faltar, vou em frente. De fato, encontrei um regato de boa correnteza, água limpíssima. Eu vinha bebendo água de charcos todo esse tempo e encontrar toda aquela água corrente era como encontrar o paraíso. Julguei que era momento de fazer uma casa. Trabalhei quatro dias cortando varas e limpando um terreno e em uma semana estava com uma cabana bastante razoável. Certa feita, ao lavrar uma madeira, o cutelo escorregou e atingiu uma pedra que soltou faíscas. Mais que depressa juntei folhas secas e gravetos junto a pedra e martelei incansavelmente até que "eureca", descobri o fogo. Daí para frente me senti dono do mundo: casa, água fresca e fogo. Assei rãs, ovos de pássaros e com algumas frutas para acompanhar minha dieta melhorou consideravelmente. Encontrei uma loca para guardar os tições para preservar o fogo pois aquela primeira chama me pareceu um 
acaso. Não seria possível ser preciso, mas por causa do tamanho do meu cabelo e barba, creio que poderia estimar em três meses o tempo que passara desde o NAUFRÁGIO. Já não me considerava um homem perdido na floresta e sim acolhido por ela tanto que a decisão de fazer um assentamento à beira daquele regato seria uma forma de resignação e aceitação. Estaria eu me transformando em um outro ROBINSON CRUSOÉ, TARZAN OU JIN DAS SELVAS?



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- "Sua casa está em terras do cacique, não pode ficar"...