Este texto foi extraído de um conto maior chamado AS SETE MORTES DE JOÃO PRETO, escrito por mim mesmo em 2005. O LEITOR é justamente o sétimo e ultimo capítulo daquela série um tanto macabra que relata "fatos" relacionado às mortes de caráter natural, as chamadas Mortes Morridas mas com algum toque de "acaso". A vantagem da ficção é que você pode flertar com a realidade sem ter o compromisso de apontar o dedo para isso ou aquilo. Vamos lá.
O LEITOR
João Preto era leitor, leitor por profissão. Existe essa profissão? Hoje em dia possivelmente não. Mas antigamente existia em certas repartições publicas ou privada, um funcionário encarregado de ler, as publicações dos Diários Oficiais. Ler, catalogar e arquivar em pastas especiais para serem consultadas em ocasiões posteriores. Essa era a função de João Preto: ler. E por força do abito, João Preto passou a ler tudo que tivesse oportunidade. Lia a bíblia, os jornais, os panfletos, pasta de dentes, etiquetas, bulas de remédios... lia tudo que via pela frente, voluntario ou involuntariamente.Na sua casa havia fartura de leituras, livros, revistas, atlas, folhetos, recortes de jornais velhos, principalmente obituários. Quando ia para o trabalho lá ia um leitor irreverente, lendo anúncios, letreiros e as vezes uma olhadela no que estaria lendo o vizinho de banco. No escritório, lia os oficios, alvarás, textos de legislação etc. João Preto era leitor e pronto. Leu, leu, leu até aquela manhã fatídica de março. João Preto chegou ao trabalho e a primeira coisa que leu foi um aviso em seu cartão de ponto:
- Sr. João, compareça no departamento pessoal.
- Diacho, o que será?
Quando chegou ao DP foi logo abraçado pelo chefe.
- Sr João, meus parabéns, saiu a sua aposentadoria.
- Aposentadoria? Mas eu não quero me aposentar, quero trabalhar.
- Ora Sr João, todo funcionário tem que aposentar um dia, chegou a sua vez, 35 anos lendo não acha que está na hora de descansar?
- Mas eu não quero descansar, quero ler os ofícios, é meu trabalho.
- Olhe, Sr João, daqui para frente ninguém mais vai precisar ler os ofícios, vão estar tudo no computador, é só clicar e pronto.A sua função não vai mais existir, o senhor se aposentou e a sua função também. Pode ir desfrutar de sua aposentadoria.
João Preto saiu dali desolado. Costumava ir pela rua lendo as coisas do mundo, placas de carros, itinerários dos ônibus, preços nas lojas etc. Mas desta vez não conseguia ler nada, estava tudo desfocado. O mundo passava em câmera lenta em torno dos olhos opacos de João. O mundo estava cheio de letras embaralhadas. Se lembrou dos tempos de escola e tentou formar palavras com aquelas letras e nada Foi amolecendo as pernas e andando aos trancos e barrancos até cair de joelhos. Olhou para o céu e viu formar um redemoinho de letras coloridas. Firmou as vistas. Era tanto o seu desejo de ler que foi eliminando aquelas letras uma a uma até só restar 4 delas e conseguiu finalmente ler a ultima palavra da sua vida :DEUS, e caiu morto
Esta foi a sétima morte de João Preto. E você leitor, ainda esta vivo? Então boa morte. Sou sádico? Não sou apenas realista. Quando você estiver lendo esse livro talvez eu já esteja morto mesmo...
Pois bem, aqui termina esse relato sobre AS SETE MORTES DE JOÃO PRETO. João Preto é um nome fictício que emprestou suas sete mortes para compor esse conto. Não se sabe se a verdade imita a ficção ou se a ficção imita a verdade.
Existe um fato verdadeiro sobre um homem que aos 96 anos entrou no banheiro para tomar um banho, caiu e morreu sozinho sem dar trabalho a ninguém. Dizem que a empregada sentiu algo estranho, chegou perto da porta e chamou:
- Seu Zé, está acontecendo alguma coisa?
- Estou passando mal.
- Abra a porta seu Zé para que eu possa ajudá-lo.
- Você não pode entrar aqui minha filha, estou pelado.
A empregada correu a procura de socorro. Um dos filhos do homem que morava por perto chegou correndo, arrebentou a porta e carregou o pai para o Hospital que chegou lá já sem vida.
Até na hora da morte aquele honrado senhor demonstrou respeito e pudor não querendo aparecer nu na frente da jovem empregada.
Este Homem era Zé Pretinho, meu finado pai, que Deus o Tenha.