sábado, 21 de abril de 2018

A PARADA



 Stephen King possivelmente escreveria esse conto se eu já não o tivesse feito. Pois sim, continue sonhando em imitar o grande escritor do Maine. Paciência, por aqui também acontece coisas estranhas porque nós somos estranhos, o mundo é estranho.
Não sei porque cargas d'água e resolvi pegar um ônibus para CAFUNDÓ DO JUDAS, um maldito lugar que nem consta no mapa. Mas de certa forma valeu a pena, pelo menos pude descobri um dos melhores lugares do planeta para não ir.
Eramos 13 pessoas naquele ônibus, contando com o motorista. Esse possivelmente seria o único que teria um motivo justo para fazer a viagem, uma vez que aquela era a linha 471-Y e a empresa lhe garantira estabilidade no emprego se assumisse definitivamente a linha 471-Y. Três passageiros também eram obrigados a ir para CAFUNDÓ porque estavam voltando pra casa. Duas irmãs iam em missão religiosa o que eu tomei como penitência. Um casal de negros com seu filho alegavam que estavam a procura de terras baratas para comprar. Havia também um caixeiro viajante, um homossexual todo arrumadinho com um pírsen no nariz e uma senhora com cara de advogada. Numa viagem assim, com poucos participantes, a gente acaba se interagindo uns com os outros. O homossexual estava fugindo do seu parceiro, indo para qualquer lugar. Os três habitantes de CAFUNDÓ realmente não tinham outro lugar para ir. O caixeiro viajante certamente estava num daqueles dias de maus negócios. O casal de negros sonhavam com um pedaço de terra para seu assentamento próprio mesmo que fosse nos CAFUNDÓS. As duas freiras, bem deixa pra lá, são coisas da fé. A mulher com cara de advogada não deixou transparecer um motivo razoável para a viagem, possivelmente uma aventureira como eu.
O ônibus sacolejava por uma estrada de terra subindo e descendo colinas escarpadas numa reta sem fim. A vegetação seca era uma espécie de cabelo ruim numa cabeça que há tempos não passava por um cabeleireiro. Montículos de cupins ladeavam a estrada dos dois lados. Se havia algum tipo de vidas naquelas paragens deviriam ser seres rastejantes socados em locas sob a terra seca. Até os cupins, parece que haviam sido extintos ou abandonado suas casas. Finalmente, depois de horas, surgiu um pequeno sinal de civilização: passamos por um mata-burro e algo verde despontou no horizonte em frente. Passamos por um brejo seco que a ultima chuva fez crescer umas moitas de cana que agora amarelavam de novo ao sol esturricante. Uma vaca mugiu atrás de uma cerca e eu abri a janela para ver aquele tipo de VIDA, além de nós dentro do ônibus
- Caramba, parece que estamos chegando em algum lugar - falou o caixeiro viajante esticando o pescoço para frente.
De fato, lá estava, uma "cidade", ou seja, um ajuntamento de umas oitos casas velhas, um pé de manga, um patio de terra batida e uma bodega com o sugestivo nome de ESPERANÇA que não passava de uma pocilga com o reboco descascando. O motorista parou na frente da bodega,  puxou o freio de mão que deu um estalo e levantou de um salto para dar o anuncio antes que alguém se mexesse do lugar.
- Atenção, esta parada é de 10 minutos. Tempo suficiente para esticar as pernas e comprar a farofa na bodega. A privada é uma só, tanto pra OME como pra MUIÉ. Acho bom vocês decidirem quem está mais necessitado porque não dá tempo de ir todo mundo. Nem pensem em fazer o numero dois  porque a empresa não espera. Na semana passada uma MUIÉ foi deixada para trás, o marido ficou resmungando e os filhos abriram o berreiro. Não pude fazer nada, avisei que não dava tempo.
O caixeiro viajante se levantou e falou
- Fique tranquilo seu motorista, nós não vamos desobedecer as normas da  empresa. Eu assumo o controle por aqui - e olhando  para os passageiros falou?
- Alguém precisa ir ao banheiro? Tem alguém apertado? Levante a mão.
Ninguém levantou a mão.
- Viu seu motorista, tá tudo tranquilo, ninguém vai atrapalhar...
- Mamãe, eu preciso cag...
- Vixe, o menino precisa fazer um numero dois.
- Tudo bem, criança é criança, o menino pode fazer no patio atras do ônibus.
O homossexual levantou o dedinho delicado
- Seu motorista, posso ir também atrás do ônibus? Eu estou apertada...
- Tudo bem, tu também é uma criança.
O negro se levantou.
- Minha esposa precisa ir ao banheiro  e não é coisa para se fazer atrás de ônibus.
-Mas o que é isso? Neste instante ninguém levantou a mão agora são três apertados?
- Desculpe seu motorista, eu não estava com vontade mas essa falação toda me deixou nervosa.
- Tudo bem, a senhora pode ir ao banheiro mas cuidado com o tempo.
A "advogada" se levantou e limpou a garganta.
- Seu motorista, o senhor disse que a parada é de 10 minutos, mas já faz mais de 3 minutos que estão nessa falação toda. O senhor está descontando esse tempo  no tempo de parada?
- É claro, agora vocês tem pouco mais de 6 minutos.
Todos se levantaram de um salto e os "apertados" fora os primeiros a pular fora. Eu entrei na bodega, o dono sorriu com um dente de ouro meio torto e limpou o balcão com o pano sujo. Olhei temeroso para as marmitas de farofas empilhadas do lado e perguntei?
- Qual é o MENU de hoje?
- Como??????
O que tem nessas marmitas?
- Ah! Sim, é farofa de codornas, eu mesmo cacei.
- É mesmo? E porque o cesto lá fora tá cheio de penas de urubu?
- Não, seu moço, são  penas de codornas, estão pretas porque a MUIÉ jogou borra de café por cima.
- Pois é, pois é - falou a esposa de lá da cozinha.
Somente  os três "habitantes" compraram as marmitas a 3 paus cada. Perguntei ao Dente de Ouro como chamava aquele lugar e ele falou orgulhoso que ali era A BAIXA DA ÉGUA e que lá mais na frente havia um cruzamento que para a esquerda ia para A CAIXA PREGO  e para direita levaria o viajante para OS QUINTOS DOS INFERNO, em frente, para CAFUNDÓ que era o nosso destino.
- Por acaso o FIM DO MUNDO também fica por essas bandas?
- Uai! Eu ouvi falar que o FIM DO MUNDO é lá mesmo das bandas donde o sinhô tá vindo, pois é por lá que as pessoas tem medo uma das outras, vivem em casas cercadas por grades.E é lá que prendem PRESIDENTES , é lá que se ganha muito dinheiro mas o dinheiro nunca dá. Lá o povo sempre gasta o que não tem pois usam uma cartão de prástico para pagar no outro mês e no outro mês e no outro mês e no outro mês...
A chegada do ônibus na BAIXADA DA ÉGUA, constituiu em um grande acontecimento pois em poucos minutos um ajuntamento se formou em volta do pátio, alguns pedintes maltrapilhos e dois meninos vendendo mexericas. A maioria  dos passageiros compraram mexericas para o almoço pois ninguém se aventurou nas "codornas" do Dente de Ouro. As freiras não quisera nada porque estavam jejuando em nome de Cristo. Eu também elevei meus pensamentos para Cristo, ao imaginar o que me esperava NOS CAFUNDÓS DO JUDAS.